Em 4 de agosto de 2011 o Juiz Federal Dimis da Costa Braga, titular da 7a Vara Federal do Estado do Amazonas, especializada nas matérias ambiental e agrária, proferiu decisão em Ação Anulatória, cujo objeto era o cancelamento do tombamento do Encontro das Águas. Segue o dispositivo da decisão:
"Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pleitos requeridos pelo
Autor, nos termos do artigo 269, I, do CPC, para anular o Procedimento nº 1.599-T-10 –
Tombamento do Encontro das Águas dos Rios Negro e Solimões, no Estado do
Amazonas, tão somente com efeitos a partir do ato que decidira pelo Tombamento
Provisório, inclusive, até que sejam realizadas as audiências públicas, pelo menos uma
em cada município diretamente afetado, nos termos da fundamentação, conforme art.
32 e seguintes da Lei 9.784/99, bem como viabilizadas consultas públicas na forma
aludida no artigo 31 e seguintes da Lei 9.784/99."
Para refletirmos sobre as consequências que decisões como esta podem causar, bem como a importância de um bem pasagístico como o Encontro das Águas, um dos poucos cartões-postais naturais da cidade de Manaus que ainda nos resta, segue interessante artigo publicado no Jornal do Commercio em 14 de agosto de 2011, escrito pelo nobre Dr. Ozório José de Menezes Fonseca:
"PAISAGEM.
O vocábulo “paisagem” recebe várias definições que dependem do prisma de abordagem. Do ponto de vista geográfico paisagem é o produto visual de interações dinâmicas entre elementos naturais e antrópicos que, por ocupar um espaço, pode ser cartografado e classificado. O termo também foi definido como uma porção do espaço perceptível onde se combinam fatos visíveis e ações que configuram uma percepção global. Outra definição importante diz que paisagem é o resultado natural de todos os processos que ocorrem em determinado sítio.
Os dois principais dicionaristas da língua portuguesa deste lado do Atlântico definem paisagem da seguinte forma: Aurélio Buarque diz que paisagem é “um espaço de terreno que se abrange num lance de vista” e Antonio Houaiss registra paisagem como o “conjunto de componentes naturais ou não de um espaço que pode ser apreendido pelo olhar”.
A BELEZA USURPADA.
Uma questão que passa despercebida da maioria de nós amazonenses é que o Amazonas, pelo menos em sua porção central, é um Estado sem paisagens profundas. A horizontalidade da locomoção pelos rios ou pelas estradas oferece um horizonte de curtas distâncias e em Manaus, a vista da baía do rio Negro só é permitida para quem mora em edificações construídas pelo homem. No Educandos, é impossível parar na “Baixa da Égua” pela precariedade urbanística; na Manaus Moderna (?!) olhar o rio é uma aventura contra o trânsito e a marginalidade; em São Raimundo o local que permitiria desfrutar da paisagem é imundo e sem conforto; na Compensa as palafitas ocuparam as margens altas impedindo a visão do rio; a Ponta Negra está fechada e o que resta disponível para o público é um dos melhores exemplos de desmazelo e de desrespeito com o ambiente natural.
ECOLOGIA DE PAISAGEM.
Existe um ramo da Ecologia definido como Ecologia de paisagem que afirma ser a escolha da melhor definição uma atitude que deve passar pelos aspectos teóricos e que aborda o tema dentro de duas perspectivas: 1) da fisionomia geográfica que privilegia o estudo da influência do homem sobre o espaço; 2) dos aspectos puramente ecológicos onde se desenvolvem os processos naturais que definem as características e dimensões espaciais da região estudada.
O ENCONTRO DAS ÁGUAS.
O encontro das águas do Negro com o Solimões é a paisagem natural mais marcante e acessível do Estado, pois o pico da Neblina, o 31 de Março, o Morro dos Seis Lagos, etc. não podem ser visitados facilmente. E Manaus, que tem poucos espaços com perspectiva para serem desfrutados, tem agora seu principal ponto de beleza cênica ameaçado pela construção de um porto que vai beneficiar, financeiramente, apenas seus concessionários que anteciparam uma gorda doação para uma ONG criada pelo ex-governador Eduardo Braga. Essa intervenção inaceitável naquele cenário vai seguir o modelo Zona Franca, criando alguns empregos, aumentando a riqueza de poucos e destruindo o capital natural configurado pela nossa paisagem mais bonita.
A foz do rio Negro pode ser ecologicamente tipificada como ‘ria-lake’ ou vale afogado constituído por uma depressão no leito, formada durante uma regressão marinha que depois foi preenchida pelas águas do rio represadas pelo deflúvio do Solimões-Amazonas, formando o fenômeno da divisão das águas que tem sua explicação nas propriedades físicas e químicas dos dois rios.
Além disso, a região guarda elementos de nossa história, pois foi lá “na foz do rio Negro” que, segundo Spix e Martius no livro Viagem pelo Brasil 1817-1820, Francisco Mota Falcão, por ordem do Marques de Pombal instalou, em 1669, o “Destacamento de Resgate”, posteriormente substituído pela Fortaleza da Barra de São José do Rio Negro.
Apesar desse registro histórico, a maioria dos historiadores do presente segue a orientação que levou o governador nomeado pela ditadura – Arthur Cezar Ferreira Reis – a definir a região do porto de Manaus como o local onde foi erguida a Fortaleza. A dúvida, no entanto, permanece e não existe qualquer vestígio de conhecimento científico na autorização para a construção do Porto das Lages cuja operacionalização vai destruir uma paisagem rara que faz parte do patrimônio histórico e natural de todos os amazonenses."
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